Contextualidade
Físicos conseguiram demonstrar, pela primeira vez de forma incontestável (loophole-free test), a contextualidade quântica, um dos pilares da mecânica quântica e um dos fenômenos por trás das vantagens dos computadores quânticos em relação aos computadores clássicos.
A contextualidade quântica expressa a diferença radical que existe entre as medições feitas pela física clássica e pela física quântica - lembre-se, por exemplo, do famoso Efeito do Observador.
Na física clássica, cada medição simplesmente dá valores para uma característica já presente no sistema que está sendo medido, como o comprimento ou a massa. Podemos medir a variável que quisermos e repetir as medições em qualquer ordem ou a qualquer momento e os resultados serão sempre os mesmos. Portanto, naturalmente assumimos que o sistema medido possui valores preexistentes, que são revelados a cada medição e persistem após as medições.
Já na física quântica, esse pressuposto cai por terra: O resultado de uma medição, além da característica que está sendo medida, depende de outros fatores, por exemplo, de como foi projetado o experimento e de todas as medições anteriores. Ou seja, o resultado depende do contexto do experimento - daí o nome contextualidade, a grandeza que descreve esse contexto.
Supremacia quântica
Apesar de essas correlações quânticas serem previstas teoricamente desde os anos 1960, só agora uma equipe internacional de físicos conseguiu provar de modo incontestável a contextualidade, de modo que agora não restam possibilidades de explicações alternativas para essa que é uma das muitas "esquisitices" da mecânica quântica
E isso é muito mais do que uma mera curiosidade: A contextualidade é essencial para explicar a segurança das comunicações quânticas e a supremacia dos computadores quânticos sobre os computadores atuais, incluindo a eficácia dos algoritmos quânticos, conforme demonstrado em 2014 por Mark Howard e seus colegas, em um artigo hoje tido como referência na área, que descreveu a "mágica da computação quântica".
"Aqui, provamos uma equivalência notável entre a emergência da contextualidade e a possibilidade de uma computação quântica universal através da destilação de 'estado mágico', que é o principal modelo para realizar experimentalmente um computador quântico tolerante a falhas. Esta é uma ligação conceitualmente satisfatória porque a contextualidade, que exclui um modelo simples de 'variável oculta' da mecânica quântica, fornece uma das caracterizações fundamentais dos fenômenos quânticos exclusivos," escreveram Howard e seus colegas.
Contextualidade sem contestação
Quem ilustra o professor a demonstração incontestável feita agora é o professor Adán Cabello, da Universidade de Sevilha, na Espanha, membro da equipe que idealizou o experimento.
"Para entender por que isso é interessante, vamos usar o seguinte jogo. Sérgio e Mário nos mostram suas mãos com os punhos cerrados. Pedimos que eles abram uma mão cada um por um momento. Apenas uma. Verificamos se a mão contém algo ou não. Em cada rodada do jogo, podemos pedir para abrir a mesma mão quantas vezes quisermos. Depois de jogar muitas rodadas, descobrimos que, em cada rodada, a mão que Sérgio abriu ou sempre tem algo nela ou está sempre vazia. E o mesmo vale para Mário.
"Se assumirmos que, em cada rodada, Sérgio e Mário têm ou não algo em cada uma de suas mãos, pode-se demonstrar que a soma de determinadas probabilidades tem um limite. Se chamarmos essa soma de S, S não pode ser maior que 2. No entanto, em nosso experimento, S é 2,5". Como isso é possível?"
Versão quântica do jogo
Na verdade, isso seria impossível na ilustração dada pelo pesquisador porque se trata de duas pessoas, Sérgio e Mário, e pessoas andam pelo mundo regidos pela mecânica clássica.
Só que, no experimento projetado pela equipe, Sérgio é um íon do elemento químico itérbio e Mário é um íon do elemento químico bário. E átomos obedecem às leis da mecânica quântica.
"No experimento, os dois íons são capturados em uma armadilha e diferentes lasers são usados para fazer as medições (pedir para que eles abram as mãos). Na física quântica, os sistemas não têm propriedades quando não são medidos: as propriedades são relativas às medições," lembra Cabello.
E foi aí que o resultado exemplificado - o hipotético S = 2,5 - apareceu de modo incontestável, não sendo possível ou necessário atribuí-lo a qualquer "furo" do experimento.
"No artigo, apresentamos uma evidência experimental para um teste sem lacunas da contextualidade quântica usando sistemas compostos, mas sem separação semelhante ao espaço. Realizamos os experimentos com duas espécies de íons atômicos e garantimos as condições de medição ideais realizando as medições repetidas nos íons Yb e Ba que não interferem entre si, sem nenhum dado ausente. Todos os resultados experimentais concordam com as previsões da mecânica quântica por mais de 15 desvios padrão," detalhou o professor Kihwan Kim, da Universidade Tsinghua, na China, coordenador do experimento.
Computadores e algoritmos quânticos
"Além da importância para a pesquisa fundamental, este trabalho também tem implicações diretas para algoritmos e protocolos quânticos executados em dispositivos onde a suposição de localidade não pode ser feita, como é o caso dos computadores quânticos. Esses dispositivos não são grandes o suficiente para permitir eventos relacionados ao espaço que justifiquem a suposição de localidade.
"Lá, a possibilidade de produzir correlações contextuais sem lacunas para medições nítidas permite, sem depender da localidade, testar se um alegado computador quântico é realmente quântico, caracterizar sistemas quânticos, gerar números aleatórios quânticos autotestáveis e fazer computação quântica cega, entre outras aplicações, disse Kim.
"É um experimento único que nos permite provar que tudo acontece exatamente como prevê a física quântica. O fato de termos um controle tão preciso sobre sistemas tão sensíveis mostra o quão longe chegamos," acrescentou Cabello.
Consultado a: 06\04\2022
https://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=contextualidade-quantica-comprovada-maneira-definitiva&id=010150220324#.Yk3AwSjMLIU
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