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Até Agosto de 2017, uma trilogia de exposições revela a obra de um fotógrafo açoriano até agora desconhecido. O primeiro passo é agora dado no Museu do Chiado, com as facetas mais vanguardistas das imagens estereoscópicas de Afonso Chaves. Mergulho imersivo na obra de um fotógrafo renitente.O primeiro paradoxo na incrível história da obra fotográfica de Francisco Afonso Chaves (1857-1926) é este: a ciência, principal motor de uma produção frenética, foi também responsável por votá-la à escuridão, arrumando-a como mero exercício instrumental, desprovido de valor estético ou cunho autoral. Como se de uma bruxa má se tratasse, a ciência está para a fotografia deste açoriano de múltiplos saberes como o bico pontiagudo do fuso está para a Bela Adormecida, quando nele picou o dedo, condenando-a a um sono (quase) perpétuo.
Outras razões explicarão um tão prolongado adormecimento (90 anos), mas o facto de a maior parte do espólio ter sido colocada num departamento de história natural que demorou mais de 50 anos a reconhecer outras virtudes (para além das científicas) aos cerca de sete mil negativos e positivos à sua guarda terá ajudado a que nenhuma história da fotografia portuguesa ou mundial aponte hoje o nome do eminente naturalista como um autor relevante e pioneiro na maneira criativa como trabalhou um suporte fotográfico (a fotografia estereoscópica) mais voltado para o comércio de vistas de monumentos e paisagens exóticas.
Mas como não há Bela Adormecida sem Príncipe, houve quem desse “um beijo de amor verdadeiro” ao espólio depositado no Museu Carlos Machado (MCM), em Ponta Delgada, e assim o acordasse. Quando, em 2010, o professor Victor dos Reis chegou a S. Miguel para preparar a exposição República e Modernidade, alguém no MCM lhe disse algo como: “Temos aqui o espólio extraordinário de um fotógrafo. Ninguém lhe tem dado importância, mas acho que vais gostar, olha para ele." O actual presidente da Faculdade de Belas-Artes de Lisboa seguiu o conselho e ficou “apaixonado" com o que viu. Ainda que de maneira tímida, esta exposição no MCM começou a destapar o véu que até então cobria uma obra fotográfica de grande relevância, com rasgos de modernidade e contaminada pelas tendências da cultura visual da época (procura do instantâneo, influência do cinema, representação da passagem do tempo). A partir desta revelação, Victor dos Reis decidiu dedicar à fotografia de Afonso Chaves o seu trabalho de pós-doutoramento.
O resultado desse labor, não apenas de Victor dos Reis mas de outros investigadores, não é uma tese académica clássica: é uma trilogia de exposições que colocará o nome deste naturalista na história da fotografia em Portugal. A Imagem Paradoxal – Francisco Afonso Chaves, agora inaugurada no Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado (MNAC), é o primeiro passo dessa caminhada. Seguem-se, em 2017, o Museu Nacional de História Natural e da Ciência (MUHNAC), em Lisboa, e o Museu Carlos Machado, em Ponta Delgada. Cada uma das exposições tentará mostrar as facetas mais marcantes da produção fotográfica de um açoriano irrequieto, que viajou muito e que se dedicou a diferentes áreas das ciências naturais.
Apesar de nunca se assumir verdadeiramente como um criador de imagens, a fotografia revela-se para Afonso Chaves “uma paixão particular, constante e nalguns casos compulsiva”. Victor dos Reis: “Uma das razões pelas quais ele é tão desconhecido como fotógrafo tem a ver com o entendimento deste espólio como estando apenas ligado à ciência. Quem foi olhando para ele a partir do momento em que foi depositado no museu de Carlos Machado, em 1961/62, foram cientistas ou pessoas ligadas à história da ciência. Ficou um pouco parado, como uma bela adormecida, e a sua valorização estética, para além da sua função instrumental científica, ficou em suspenso."
Mas, afinal, o que tem de especial a obra deste fotógrafo misterioso que nunca se apresentou ao mundo como tal? Se partirmos do “paradoxo” do título da exposição, temos algumas respostas. Esta, por exemplo: entre as 220 provas expostas no MNAC é raro encontrar imagens inertes, de puro registo científico (apesar de ser essa a sua origem causal), fotografias sem uma intenção de composição (muitas vezes moderna, com enquadramentos inusitados) ou um sentido de oportunidade. Ou esta: há várias fotografias com duplas exposições, imagens sobrepostas, demonstrando, defendem os curadores, um propósito plástico que desafia a própria natureza da fotografia estereoscópica, que desta forma se torna mais difícil de apreender ou menos capaz de causar o seu típico efeito imersivo (uma das suas valências). Afonso Chaves fez vários positivos destas imagens, o que mostra uma vontade de concretizar e de experimentar e não apenas um acidente técnico.
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