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segunda-feira, 16 de março de 2015

Exposição - Miguel Ângelo Rocha

A escultura é corpo, é espaço, é tempo. O seu campo é o das múltiplas conversões e metamorfoses: cada escultura transforma o corpo em espaço, o tempo em espaço, o espaço em objeto. As formas que assume desenham os contornos do espaço e tornam-no consciente, percetível, existente, real. E este é o campo em que Miguel Ângelo Rocha (Lisboa, 1964) [M.A.R.] tem desenvolvido o seu trabalho.

Independentemente de trabalhar com desenho, escultura ou instalação, podemos entender a sua obra numa zona de cruzamento e debate entre a arte conceptual, o minimalismo e o abstracionismo. Uma estratégia que, à semelhança de muita arte contemporânea, o poderia localizar num plano de relação com as disciplinas sociais, científicas e/ou políticas, mas o seu caso é o de uma prática material em que mesmo não considerando exclusivamente o objeto, o seu fabrico e matéria, estes fazem da sua existência o momento e situação artísticos por excelência: lugar de convergência do pensar, fazer e experimentar. Situação esta que constitui a singularidade de M.A.R. porque, por um lado, a sua prática artística é possibilitada e é herdeira de uma conceção de arte «desmaterializada», seguindo a intuição fundamental de Lucy Lippard, e, por outro lado, todo o seu trabalho se decide, se resolve e se encontra nos próprios objetos: é no confronto com a matéria, o gesto e o pensamento tornado coisa que se pode entender a ambição da sua obra.

Uma das preocupações centrais deste artista, a partir da qual se podem reconfigurar muitos dos seus trabalhos, é a questão do tempo, ou seja, o modo como a arte pensa, materializa e altera o tempo. Esta não é uma questão fácil e nela confluem muitos tempos: do fazer, do pensar, do experimentar e, claro, o tempo do tempo que passa e que é o nosso tempo. Interessa a este artista a maneira como no contexto das obras de arte o tempo conhece intensos momentos de reconfiguração: expande-se, contrai-se e nunca obedece à linearidade cronológica. Não se trata de uma investigação existencial, mas da exploração das diferentes temporalidades que a arte contém, e é neste contexto que o permanente confronto que o artista promove entre os seus desenhos, as suas esculturas e o espectador deve ser entendido.

Mas a sua intuição fundamental é a de que o tempo da arte é um tempo gerúndio, ou seja, é um tempo que se expande do pensar ao fazer, ao experimentar, e um tempo que permanentemente se renova sem cessar. O tempo do gerúndio, daquilo que está a ser, aquilo é sendo, é o tempo de um presente contínuo em que todos os acontecimentos, situações, fenómenos fazem parte de uma mesma unidade.

Esta reconfiguração do tempo no interior da obra é também uma forma de pensar o papel do espectador e os seus modos de participação. Trata-se de um tempo que toma o espectador não enquanto instância de prolongamento ou finalização das obras, mas é o espectador, com o seu corpo, o seu desejo, que dá tempo às obras, ou seja, é o espectador o elemento que determina os princípios e os fins. A escultura Antes e Depois dá corpo a esta inquietação temporal e a esta modalidade de experiência estética: somos nós que escolhemos onde, quando e como começar a ver a escultura.

O trabalho de M.A.R. reúne um conjunto de referências importantes e muito diferenciadas. Autores como Richard Tuttle, Bruce Nauman, Barry Le Va, Joan Jonas, o movimento Fluxus são importantes para o estabelecimento da família a que o artista pertence, mas tomando em consideração o projeto Antes e Depois destacam-se Robert Morris e John Cage — não são artistas com quem haja um diálogo direto, nas suas obras M.A.R. não os cita, nem deles se apropria, mas as obras daqueles dois artistas permitem uma maior compreensão dos problemas aqui em causa.

Antes e Depois é uma experiência do espaço, do tempo, do som. É um lançar-se sobre um vazio e a partir desse campo negativo, que escapa a todas as formulações, abrir um espaço de sensibilidade e pensamento. A magia desta obra é ela ser, sobretudo, um dispositivo gerador de imagens, sensações, perceções, com a vocação de ascender a uma região espacial habitualmente inatendível e sem uma topografia reconhecível. Este lugar que Miguel Ângelo Rocha criou é um lugar de impermanência e em incessante construção, por isso o seu tempo é o do gerúndio, isto é, o tempo daquilo que está a ser, daquilo que é sendo, um tempo nunca completo e acabado, mas em permanente movimento de aproximação a si mesmo. A peça musical original de Pedro Moreira, que se junta a esta escultura como um seu material de construção e que tem a exata duração do tempo da exposição, reforça a perceção daquele tempo contínuo do gerúndio. Sonoridades que intensificam esta obra enquanto espaço de mutações e confrontos entre corpos, materiais, experiências.

Esta exposição é, sobretudo, a proposta de uma situação escultórica para a qual são convocados todos os espectadores.

Nuno Crespo




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